Capítulo 1 da Segunda Vida de São Francisco
Narração dos dois
últimos anos e a morte feliz de nosso bem-aventurado pai.
Teor desta parte. Morte ditosa do Santo Seu exemplo
de perfeição.
De fato, nosso pai venerável foi marcado nas cinco partes do corpo pelo sinal da paixão e da cruz, como se tivesse sido pregado na cruz com o Filho de Deus. Este sacramento é grande e indica a grandeza de seu particular amor. Mas acreditamos que exista nesse fato um plano oculto, um mistério escondido, que só Deus conhece e que o próprio santo só revelou a uma pessoa, e em parte.
Na primeira parte de nossa obra, que com a graça de Deus
levamos a bom termo, escrevemos tudo que pudemos para narrar a
vida e os atos de nosso bem-aventurado pai São Francisco até o
décimo oitavo ano de sua conversão. Nesta parte, consignaremos
com brevidade os outros fatos dos últimos dois anos de sua vida,
conforme nos foi possível averiguar. Queremos anotar só os pontos
mais necessários, para que os outros que desejem contar alguma
coisa tenham sempre a possibilidade de fazê-lo.
No ano de 1226 da Encarnação do Senhor, na indicção XIV,
domingo, dia 4 de outubro, em Assis, sua terra, e na Porciúncula,
onde fundara a Ordem dos Frades Menores, tendo completado vinte
anos de perfeita adesão a Cristo e de seguimento da vida apostólica,
nosso bem aventurado pai Francisco saiu do cárcere do corpo e
voou todo feliz para as habitações dos espíritos celestiais,
terminando com perfeição o que tinha empreendido. Seu santo
corpo foi exposto e reverentemente sepultado com hinos de louvor
nessa mesma cidade, onde brilha em seus milagres para a glória do
Todo-Poderoso. Amém.
Tendo recebido pouca ou nenhuma instrução no caminho do
Senhor e em seu conhecimento desde a adolescência, passou algum
tempo na ignorância natural e no ardor das paixões, mas foi
justificado de seu pecado por uma intervenção da mão de Deus, e
pela graça e virtude do Altíssimo foi cumulado com a sabedoria de
Deus mais do que todos os homens que viveram em seu tempo. Em meio do aviltamento não parcial mas geral em que jazia a pregação do Evangelho por causa dos costumes daqueles que o
pregavam, ele foi enviado por Deus como os apóstolos, para dar
testemunho da verdade em todo o mundo. E foi assim que o seu
ensinamento mostrou com evidência que a sabedoria do mundo era
loucura, e em pouco tempo, sob a orientação de Cristo, mudou os
homens para a sabedoria de Deus pela simplicidade de sua
pregação.
Como um dos rios do paraíso, este novo evangelista dos últimos
tempos irrigou o mundo inteiro com as fontes do Evangelho e
pregou com o exemplo o caminho do Filho de Deus e a doutrina da
verdade. Nele e por ele, o mundo conheceu uma alegria inesperada e
uma santa novidade: a velha árvore da religião viu reflorir seus
ramos nodosos e raquíticos. Um espírito novo reanimou o coração
dos escolhidos e neles derramou a unção de salvação ao surgir o
servo de Cristo como um astro no firmamento, irradiando uma
santidade nova e prodígios inauditos.
Por ele renovaram-se os antigos milagres, quando foi plantada no
deserto deste mundo, com um sistema novo mas à maneira antiga, a
videira frutífera, que dá flores com o suave perfume das santas
virtudes e estende por toda parte os ramos da santa religiosidade. Embora fraco como qualquer um de nós, Francisco não se
contentou com a observância dos preceitos comuns, mas, cheio de
ardente caridade, partiu pelo caminho da perfeição, atingiu o cume
da santidade e contemplou o termo de toda realização.
É por isso que todas as classes, sexos e idades têm nele uma prova
evidente da doutrina salutar e também um exemplo preclaro de
todas as boas obras. Os que pretendem empreender coisas de valor
e aspiram aos carismas melhores do caminho da perfeição podem
olhar no espelho de sua vida e aprender tudo que é melhor. Os que
pretendem coisas mais humildes e simples, com medo das
dificuldades e da montanha, também podem encontrar nele
conselhos adaptados ao seu nível. Mesmo os que desejam apenas
sinais e milagres podem buscar sua santidade e alcançarão o que
desejam.
Sua vida gloriosa faz brilhar a santidade dos santos antigos com
uma luz mais clara. Prova cabal é seu amor à paixão de Jesus Cristo
e a sua cruz.
De fato, nosso pai venerável foi marcado nas cinco partes do corpo pelo sinal da paixão e da cruz, como se tivesse sido
pregado na cruz com o Filho de Deus. Este sacramento é grande e
indica a grandeza de seu particular amor. Mas acreditamos que
exista nesse fato um plano oculto, um mistério escondido, que só
Deus conhece e que o próprio santo só revelou a uma pessoa, e em
parte. Por isso, não adianta insistir muito em elogios, porque seu
louvor vem daquele que é o louvor de todas as coisas, fonte de toda
glória e que concede os prêmios da luz.
Bendigamos a Deus que é santo, verdadeiro e glorioso, e
continuemos a história.
T
Pax et bonum
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