(Capítulo 29 do livro da Primeira Vida de São Francisco) - Seu amor pelo Criador em todas as criaturas.
Descrição de sua personalidade e de seu aspecto exterior.
Seria muito longo e praticamente impossível enumerar e
descrever tudo que o glorioso pai São Francisco fez e ensinou
durante a sua vida. Como contar o afeto que tinha para com todas as
coisas de Deus? Quem seria capaz de mostrar a doçura que sentia
quando contemplava nas criaturas a sabedoria, o poder e a bondade
do Criador? Ao ver o sol, a lua, as estrelas e o firmamento, enchia-se
muitas vezes de alegria admirável e inaudita. Piedade simples,
simplicidade piedosa!
Tinha um amor enorme até pelos vermes, por ter lido sobre o
Salvador: Sou um verme e não um homem. Recolhia-os por isso no
caminho e os colocava em lugar seguro, para não serem pisados
pelos que passavam. Que poderei dizer mais sobre as outras
criaturas inferiores, se até para as abelhas, para que não
desfalecessem no rigor do frio, fazia dar mel ou um vinho de
primeira? A operosidade e o engenho das abelhas exaltavam-no a
tão grande louvor de Deus que muitas vezes passou o dia louvando
a elas e às outras criaturas.
Como os três jovens de antigamente, colocados na fornalha em
brasa, sentiram-se convidados por todos os elementos para louvar e
glorificar o Criador de todas as coisas, também este homem, cheio
do espírito de Deus, não cessava de glorificar, louvar e bendizer o
Criador e Conservador do universo por meio de todos os elementos
e criaturas.
Que alegria a sua diante das flores, ao admirar-lhes a delicada
forma ou aspirar o suave perfume! Passava imediatamente a pensar
na beleza daquela flor que brotou da raiz de Jessé no tempo
esplendoroso da primavera e com seu perfume ressuscitou milhares
de mortos. Quando encontrava muitas flores juntas, pregava para
elas e as convidava a louvar o Senhor como se fossem racionais. Da
mesma maneira, convidava com muita simplicidade os trigais e as
vinhas, as pedras, os bosques e tudo que há de bonito nos campos,
as nascentes e tudo que há de verde nos jardins, a terra e o fogo, o
ar e o vento, para que tivessem muito amor e louvassem
generosamente ao Senhor. Afinal, chamava todas as criaturas de irmãs, intuindo seus segredos
de maneira especial, por ninguém experimentada, porque na
verdade parecia já estar gozando a liberdade gloriosa dos filhos de
Deus. Na certa, ó bom Jesus, ele que na terra cantava o vosso amor
a todas as criaturas, estará agora a louvar-vos nos céus com os
anjos porque sois admirável. É impossível compreender quanto se comovia quando
pronunciava vosso nome, Senhor santo! Parecia um outro homem,
um homem de outro mundo, todo cheio de júbilo e do mais puro
prazer.
Por isso, onde quer que encontrasse algum escrito, de
coisas divinas ou humanas, na rua, em casa ou no chão, recolhia-o
com todo o respeito e o colocava em algum lugar sagrado ou
decente, pensando que poderia referir-se ao Senhor ou conter seu
santo nome.
Um dia, um frade lhe perguntou por que recolhia com igual apreço
os escritos dos pagãos, onde não estava o nome do Senhor, e ele
respondeu: "Meu filho, contêm as letras com que se escreve o
gloriosíssimo nome do Senhor. O que há de bom neles não pertence
aos pagãos nem a ninguém em particular, mas somente a Deus, 'de
quem são todos os bens'". Outra coisa admirável é que, quando
mandava escrever alguma carta de cumprimentos ou conselhos, não
permitia que se apagasse alguma letra ou sílaba, mesmo que fosse
supérflua ou errada.
Como era bonito, atraente e de aspecto glorioso na inocência de
sua vida, na simplicidade das palavras, na pureza do coração, no
amor de Deus, na caridade fraterna, na obediência ardorosa, no trato
afetuoso, no aspecto angelical! Tinha maneiras finas, era sereno por
natureza e de trato amável, muito oportuno quando dava conselhos,
sempre fiel em suas obrigações, prudente no julgar, eficaz no agir e
em tudo cheio de elegância. Sereno na inteligência, delicado, sóbrio,
contemplativo, constante na oração e fervoroso em todas as coisas.
Firme nas resoluções, equilibrado, perseverante e sempre o mesmo.
Rápido para perdoar e demorado para se irar, tinha a inteligência
pronta, uma memória luminosa, era sutil ao falar, sério em suas
opções e sempre simples. Era rigoroso consigo mesmo, paciente
com os outros, discreto com todos.
Muito eloquente, tinha o rosto alegre e o aspecto bondoso, era
diligente e incapaz de ser arrogante. Era de estatura um pouco
abaixo da média, cabeça proporcionada e redonda, rosto um tanto longo e fino, testa plana e curta, olhos nem grandes nem pequenos,
negros e límpidos, cabelos castanhos, pestanas retas, nariz
proporcional, delgado e reto, orelhas levantadas mas pequenas,
têmporas achatadas, língua pacificadora, ardente e penetrante, voz
forte, doce, clara e sonora, dentes unidos, alinhados e brancos,
lábios pequenos e delgados, barba preta e um tanto rala, pescoço
esguio, ombros retos, braços curtos, mãos delicadas, dedos longos,
unhas compridas, pernas delgadas, pés pequenos, pele fina, enxuto
de carnes. Vestia-se rudemente, dormia pouco e era muito generoso.
E como era muito humilde, mostrava toda a mansidão para com
todas as pessoas, adaptando-se a todos com facilidade. Embora
fosse o mais santo de todos, sabia estar entre os pecadores como
se fosse um deles.
Pai santíssimo que amas os pecadores, ajuda-os! Com tua poderosa
intercessão e cheio de misericórdia, digna-te levantar os que vês
prostrados na abjeção dos pecados.
T
Pax et bonum
Pax et bonum
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