(Capítulo 21 do livro da Primeira Vida de São Francisco de Assis) - Pregação aos pássaros e obediência das
criaturas
Numa ocasião em que estava morando no povoado de Greccio, um irmão foi levar-lhe um filhote de lebre que caíra vivo numa armadilha. O santo ficou comovido quando o viu e disse: "Irmã lebre, vem cá. Como é que isso foi acontecer?" O irmão que a segurava soltou-a e ela correu para o santo, encontrando nele o lugar mais seguro, sem que ninguém a obrigasse, e descansou em seu regaço.
Enquanto, como dissemos, eram muitos os que se juntavam aos
irmãos, o santo pai Francisco percorria o vale de Espoleto.
Chegando perto de Bevagna, encontrou uma multidão enorme de
pássaros de todas as espécies, como pombas, gralhas e outras que
vulgarmente chamam de corvos. Quando os viu, o servo de Deus
Francisco, que era homem de grande fervor e tinha um afeto muito
grande mesmo pelas criaturas inferiores e irracionais, correu
alegremente para eles, deixando os companheiros no caminho.
Aproximou-se e vendo que o esperavam sem medo, cumprimentou-os
como era seu costume. Mas ficou muito admirado porque as aves
não fugiram como fazem sempre e, cheio de alegria, pediu
humildemente que ouvissem a palavra de Deus.
Entre muitas outras coisas, disse-lhes o seguinte: Passarinhos,
meus irmãos, vocês devem sempre louvar o seu Criador e ama-lo,
porque lhes deu penas para vestir, asas para voar e tudo que vocês
precisam. Deus lhes deu um bom lugar entre as suas criaturas e lhes
permitiu morar na limpidez do ar, pois embora vocês não semeiem
nem colham, não precisam se preocupar porque Ele protege e
guarda vocês". Quando os passarinhos ouviram isso, conforme ele
mesmo e seus companheiros contaram depois, fizeram uma festa à
sua maneira, começando a espichar o pescoço, a abrir as asas e a
olhar para ele. Ele ia e voltava pelo meio deles roçando a túnica por
suas cabeças e corpos. Depois abençoou-os e, fazendo o sinal da
cruz, deu-lhes licença para voar. Com os companheiros, o bem-aventurado
pai continuou alegre pelo seu caminho, dando graças a
Deus, a quem todas as criaturas louvam com humilde
reconhecimento.
Como já era um homem simples não pela natureza mas pela graça,
começou a acusar-se de negligente por não ter pregado antes para
as aves, que tinham ouvido a palavra de Deus com tanto respeito.
Daí para frente, passou a exortar com solicitude todos os pássaros,
animais, répteis e até as criaturas inanimadas a louvarem e amarem
o Criador, já que, por experiência própria, comprovava todos os dias
como obedeciam quando invocava o nome do Salvador.
Uma vez, chegando ao povoado de Alviano para pregar a palavra de Deus, subiu a um lugar mais alto para poder ser visto por todos e
começou a pedir silêncio. Estando todos calados e esperando com
respeito, uma porção de andorinhas, que tinham ninho naquele
lugar, faziam uma algazarra e muito ruído.
Como não podia ser ouvido pelas pessoas, São Francisco dirigiu-se
aos passarinhos dizendo: "Minhas irmãs andorinhas, já está na hora
de eu lhes falar também, porque até agora vocês já disseram o
suficiente. Ouçam a palavra de Deus e fiquem quietas e caladas até
o fim do sermão do Senhor". Para grande espanto e admiração de
todos os presentes, os passarinhos logo se aquietaram e não saíram
de seus lugares até que a pregação acabou.
Vendo esse sinal, todos diziam, maravilhados: "Na verdade, este
homem é um santo e amigo do Altíssimo". E corriam com toda a
devoção para pelo menos tocar sua roupa, louvando e bendizendo a
Deus. De fato, era para admirar que até as criaturas irracionais
fossem capazes de reconhecer o seu afeto para com elas e de
pressentir o seu carinho. Numa ocasião em que estava morando no povoado de Greccio,
um irmão foi levar-lhe um filhote de lebre que caíra vivo numa
armadilha. O santo ficou comovido quando o viu e disse: "Irmã
lebre, vem cá. Como é que isso foi acontecer?" O irmão que a
segurava soltou-a e ela correu para o santo, encontrando nele o
lugar mais seguro, sem que ninguém a obrigasse, e descansou em
seu regaço. Depois que tinha descansado um pouquinho, o santo
pai, acariciando-a maternalmente, soltou-a para que voltasse livre
para o mato. Mas, todas as vezes que era posta no chão, ela voltava
para as mãos do santo, até que este mandou que os irmãos a
levassem para o bosque ali perto. Coisa parecida aconteceu com um
coelho, animal muito pouco doméstico, na ilha do lago de Perusa.
Tinha a mesma afeição para com os peixes e, nas oportunidades
que teve, devolveu-os à água, aconselhando-os a tomarem cuidado
para não serem pescados outra vez. Numa ocasião em que estava
numa barca junto ao porto do lago de Rieti, um pescador pegou um
peixe muito grande, desses que chamam de tenca, e lhe deu de
presente com devoção. O santo recebeu-o com alegria e bondade,
começou a chamá-lo de irmão e, colocando-o na água fora da barca,
pôs-se a abençoar devotamente o nome do Senhor. Enquanto o
santo rezava, o peixe ficou brincando na água, sem se afastar do
lugar em que tinha sido posto, até que, no fim da oração, o santo lhe deu licença para ir embora.
Foi assim que o glorioso pai São Francisco, andando pelo caminho
da obediência e escolhendo com perfeição o jugo da submissão a
Deus, recebeu diante do Senhor a grande dignidade de ser
obedecido pelas suas criaturas. Uma vez até a sua água foi mudada
em vinho, quando esteve muito doente na ermida de Santo Urbano.
Quando o provou, sarou com tanta facilidade que todos acreditaram
que era um milagre, como foi de verdade. Só pode ser santa uma
pessoa a quem as criaturas obedecem e à cuja vontade até os
outros elementos se transformam.
T
Pax et bonum
0 comentários:
Postar um comentário