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Como São Francisco desprezava a si mesmo e a verdadeira humildade

(Capítulo 19 do livro da Primeira Vida de São Francisco de Assis) - Cuidado pelos irmãos. Desprezo de si mesmo e verdadeira humildade.

Tinha atitudes dessas com muita freqüência, tanto para desprezar-se com perfeição como para convidar os outros a uma honra que não se acaba. Julgava-se desprezível, sem temor nem preocupação pelo corpo, que expunha valentemente aos maus tratos, para não ser levado por seu amor a cobiçar alguma coisa terrena Verdadeiro desprezador de si mesmo, sabia ensinar os outros a se desprezarem também, falando e dando exemplo.
São Francisco voltou materialmente ao convívio dos seus frades, embora espiritualmente jamais se tivesse afastado, como dissemos. Interessava-se continuamente pelos seus, procurando saber com prudência e atenção o que todos estavam fazendo,e não deixava de repreendê-los por alguma coisa errada que descobrisse. Olhava primeiro os defeitos espirituais, depois os exteriores, e por último tratava de remover todas as ocasiões que costumam abrir as portas aos pecados. Com todo o cuidado e especial solicitude cuidava da santa senhora pobreza. Para impedir que se chegasse a ter coisas supérfluas, não permitia que tivessem em casa a menor vasilha, se fosse possível passar sem ela sem cair na extrema necessidade. Dizia que era impossível satisfazer a necessidade sem condescender com o prazer. Nunca ou raramente admitiu pratos cozidos. Se os aceitava, muitas vezes misturava-lhes cinza ou lhes tirava o tempero com água fria. Quantas vezes, andando pelo mundo a pregar o Evangelho de Deus, foi convidado para almoçar com importantes príncipes que tinham toda admiração e veneração por ele, e apenas provava os pratos de carne para observar o santo Evangelho, mas ia guardando o resto dentro da roupa, embora parecesse estar comendo. E punha a mão na frente da boca,para que ninguém percebesse o que estava fazendo. Quanto a tomar vinho, que poderei dizer, se até quando estava morto de sede não admitia beber a água que bastasse? Onde quer que se hospedasse, não permitia que sua cama tivesse colchão e cobertas: era o chão nu que recebia seu corpo despido, em cima da túnica. Nas poucas vezes que permitia a seu frágil corpo o favor do sono, era quase sempre sentado e sem se encostar, usando no lugar do travesseiro algum tronco ou pedra. Quando, como é natural, tinha desejo de comer, só a custo se permitia satisfazê-lo. Uma vez, estando doente, comeu um bocado de carne de galinha. Logo que recuperou as forças foi até Assis. 

Chegando à porta da cidade, mandou ao frade que o acompanhava que lhe amarrasse uma corda no pescoço e o conduzisse assim, feito um ladrão, por toda a cidade, clamando como um pregoeiro: "Vejam o comilão que engordou com carne de galinha, que comeu sem vocês saberem". Muita gente correu para ver o estranho espetáculo e se pôs a chorar e a gemer dizendo: "Pobres de nós, que passamos nossa vida cometendo crimes e que saciamos o coração e o corpo com luxúrias e bebedeiras!" E assim, de coração compungido, foram chamados a uma vida melhor por tão grande exemplo. 

Tinha atitudes dessas com muita freqüência, tanto para desprezar-se com perfeição como para convidar os outros a uma honra que não se acaba. Julgava-se desprezível, sem temor nem preocupação pelo corpo, que expunha valentemente aos maus tratos, para não ser levado por seu amor a cobiçar alguma coisa terrena Verdadeiro desprezador de si mesmo, sabia ensinar os outros a se desprezarem também, falando e dando exemplo. Resultado: era exaltado por todos e todo mundo o tinha em alta conta, pois só ele mesmo se julgava o mais vil e só ele se desprezava com ardor. Muitas vezes sentia uma dor imensa quando era venerado por todos e, para se livrar da consideração humana, encarregava alguém de o insultar. Também chamava algum irmão e lhe dizia: "Mando-te por obediência que me injuries com dureza e que digas a verdade contra a mentira dessa gente". E quando o irmão, contra a vontade, o chamava de vilão, mercenário e parasita, respondia sorrindo e aplaudindo bastante: "O Senhor te abençoe porque estás falando as coisas mais verdadeiras. É isso que o filho de Pedro Bernardone precisa ouvir!" Dizia isso para lembrar sua origem humilde. Para mostrar quanto era desprezível e para dar aos outros um exemplo de confissão sincera, quando cometia alguma falta, não se envergonhava de confessá-la na pregação, diante de todo o povo. Até mais: se tinha algum pensamento desfavorável sobre alguém, ou por acaso tivesse dito alguma palavra mais dura, confessava na mesma hora e humildemente o pecado à própria pessoa de quem tinha pensado ou dito mal, e lhe pedia perdão. 

Mesmo que não pudesse fazer a si mesmo nenhuma censura, pela solicitude com que se guardava, sua consciência não lhe dava descanso enquanto não conseguia curar com bondade a ferida espiritual. Gostava de progredir em todo tipo de empreendimentos,mas não queria aparecer, fugindo à admiração por todos os meios, para não cair na vaidade. Pobres de nós, que te perdemos, pai digno e exemplo de toda bondade e humildade. Foi merecidamente que te perdemos, porque quando te possuíamos não nos preocupamos em te conhecer! 


T
Pax et bonum

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