(Capítulo 27 do livro da Primeira Vida de São Francisco) - Clareza e firmeza do pensamento de São
Francisco. Pregação diante do Senhor Papa Honório Confia a
si mesmo e a seus frades nas mãos de Hugolino, bispo de
Ostia.
Uma vez teve que ir a Roma por causa da Ordem e sentiu muita vontade de falar diante do Papa Honório e dos veneráveis cardeais. Sabendo disso, Dom Hugolino, o glorioso bispo de Óstia, que tinha uma especial amizade pelo santo de Deus, ficou cheio de temor e de alegria, porque admirava o fervor do santo mas também sabia como era simples.
O varão de Deus, Francisco, tinha aprendido a buscar não os
seus interesses mas o que lhe parecesse servir melhor à salvação
dos outros. Acima de tudo, porém, desejava aniquilar-se para estar
com Cristo. Por isso, seu esforço maior era manter-se livre de todas
as coisas que estão no mundo, para que seu pensamento não
tivesse a serenidade perturbada por uma hora sequer de contágio
com essa poeira. Tornou-se insensível a todo ruído exterior e se
empenhou com todas as forças a dominar os sentidos e coibir as
paixões, entregando-se unicamente a Deus. Tinha "sua morada nas
fendas das rochas e nas concavidades dos penhascos". Com
verdadeira devoção, recolhia-se em casas abandonadas e, esvaziado
de si mesmo, residia permanentemente nas chagas do Salvador.
Procurava freqüentemente os lugares desertos para poder dirigir-se
de toda alma a Deus mas quando o tempo lhe parecia oportuno não
tinha preguiça de se pôr em atividade e de cuidar com boa vontade
da salvação do próximo.
Seu porto seguro era a oração, que não era curta, nem vazia ou
presunçosa, mas demorada, cheia de devoção e tranquila na
humildade. Se começava à tarde, mal a podia acabar pela manhã.
Andando, sentado, comendo ou bebendo, estava entregue à oração.
Gostava de passar a noite rezando sozinho em igrejas abandonadas
e construídas em lugares desertos, onde, com a proteção da graça
de Deus, venceu muitos temores e muitas angústias. Lutava corpo a corpo com o demônio, porque nesses lugares
não só o tentava interiormente mas também procurava desanimá-lo
com abalos e estardalhaços exteriores. Mas o valente soldado de
Cristo sabia que o seu Senhor tinha todo o poder, e não cedia às
amedrontações, dizendo em seu coração: "Malvado, as armas da tua
malícia não me podem ferir mais aqui do que se estivéssemos em
público, na frente de todo mundo".
Na verdade, ele era muito constante e só queria fazer o que era de
Deus. Pregando freqüentemente a palavra de Deus a milhares de pessoas, tinha tanta segurança como se estivesse conversando com
um companheiro.
Olhava a maior das multidões como se fosse uma
só pessoa e falava a cada pessoa com todo o fervor como se fosse
uma multidão. A segurança que tinha para falar era resultado de sua
pureza de coração, pois, mesmo sem se preparar, falava coisas
admiráveis, que ninguém jamais tinha ouvido. Se, diante do povo
reunido, não se lembrava do que tinha preparado e não sabia falar
de outra coisa, confessava candidamente que tinha preparado
muitas coisas e não estava conseguindo lembrar nada. De repente,
enchia-se de tanta eloquência que deixava admirados os ouvintes.
Mas houve ocasiões em que não conseguiu dizer nada, deu a
bênção e, só com isso, despediu o povo com a melhor das
pregações.
Uma vez teve que ir a Roma por causa da Ordem e sentiu muita
vontade de falar diante do Papa Honório e dos veneráveis cardeais.
Sabendo disso, Dom Hugolino, o glorioso bispo de Óstia, que tinha
uma especial amizade pelo santo de Deus, ficou cheio de temor e de
alegria, porque admirava o fervor do santo mas também sabia como
era simples. Apesar disso, confiando na misericórdia do Todo-poderoso,
que no tempo da necessidade nunca falta aos que o
veneram com piedade, apresentou-o ao Papa e aos eminentíssimos
cardeais.
Diante dos importantes príncipes, o santo pediu a licença e a bênção
e começou a falar com toda a intrepidez. Falava com tanta animação
que, não se podendo conter de alegria, dizia as palavras com a boca
e movia os pés como se estivesse dançando, não com malícia mas
ardendo no fogo do amor de Deus: por isso não provocou risadas,
mas arrancou o pranto da dor. De fato, admirados pela graça de
Deus e a segurança desse homem, muitos deles ficaram
compungidos de coração. Entretanto, receoso, o venerável bispo de
Ostia rezava fervorosamente ao Senhor para que a simplicidade do
santo homem não fosse desprezada, porque isso resultaria em
desonra para ele, que tinha sido constituído pai de sua família. Porque São Francisco se ligara a ele como um filho ao pai e
como um filho único à sua mãe, achando que em seus braços podia
descansar e dormir tranqüilo. Ele assumira e exercia o cargo de
pastor, e deixava o título para o santo. O bem-aventurado pai
cuidava do que era necessário, mas o hábil senhor fazia com que
tudo fosse realizado. Quantas pessoas, especialmente no princípio,
tentaram acabar com a implantação da Ordem! Quantos procuraram.
sufocar a vinha escolhida que a mão do Senhor tinha plantado havia
pouco neste mundo! Quantos tentaram roubar e consumir seus
primeiros e melhores frutos! Mas todos foram vencidos e
desbaratados pelo eminentíssimo cardeal. Ele era um verdadeiro rio
de eloquência, bastião da Igreja, defensor da verdade e protetor dos
humildes. Bendito e memorável o dia em que o santo se confiou a
tão venerável senhor.
Numa das muitas vezes em que o cardeal foi mandado como legado
da Sé Apostólica à Toscana, São Francisco, que ainda não tinha
muitos frades e queria ir à França, passou por Florença, onde
morava nesse tempo o referido bispo. Ainda não estavam unidos por
especial amizade, mas a fama de uma vida santa tinha unido os dois
em mútuo afeto.
Como era costume de São Francisco visitar os bispos e padres
logo que chegava a alguma cidade ou região, quando soube da
presença de um bispo tão importante, apresentou-se com a maior
reverência. O bispo o recebeu com muita devoção, como fazia
sempre com todos os que pretendiam viver a vida religiosa e
principalmente com os que levavam o estandarte da santa pobreza e
humildade. Como era solícito em ajudar as necessidades dos pobres
e se interessava pessoalmente por seus problemas, quis saber
atenciosamente os motivos da visita do santo e escutou com muita
bondade as seus projetos. Ao vê-lo desprendido como ninguém dos
bens terrenos e tão abrasado no fogo que Jesus trouxe ao mundo,
seu coração se juntou desde esse momento ao coração dele, pediu-lhe orações com devoção e lhe ofereceu com prazer sua proteção.
Aconselhou-o por isso a desistir da viagem para cuidar de guardar
aqueles que o Senhor lhe confiara, com vigilante solicitude.
Quando viu toda essa generosidade, bondade e decisão em tão
ilustre personagem, São Francisco teve uma alegria enorme, lançou-se a seus pés e lhe confiou devotamente sua própria pessoa e os
seus frades.
T
Pax et bonum
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