(CAPÍTULO 16 do livro da Primeira Vida de São Francisco de Assis) - A estadia em Rivotorto e a guarda da pobreza.
Faltou-lhes muitas vezes até o pão, precisando contentar-se com os nabos penosamente mendigados pela planície de Assis. Sua casa era tão apertada que mal podiam sentar-se ou descansar.
São Francisco e os outros recolheram-se em um lugar perto de
Assis, chamado Rivotorto. Havia ali uma cabana abandonada, onde
viveram aqueles homens, que não faziam questão de casas grandes
e bonitas, e lá se defendiam da chuva. "Pois, como diz um santo, de
uma cabana vai-se mais depressa para o céu do que de um palácio".
Os filhos e irmãos viviam nesse lugar com o bem-aventurado pai,
trabalhando bastante e sofrendo escassez de tudo. Faltou-lhes
muitas vezes até o pão, precisando contentar-se com os nabos
penosamente mendigados pela planície de Assis. Sua casa era tão
apertada que mal podiam sentar-se ou descansar. Mas não se
ouviam queixas ou murmurações: calmos e alegres, mantinham a
paciência.
Todo dia, para não dizer sempre, São Francisco examinava
diligentemente a si mesmo e aos seus, sem permitir neles falha
alguma, e afastando toda negligência de seus corações.
Era
constante sua vigilância sobre si mesmo e rígida sua disciplina. Se
tinha alguma tentação, como acontece, mergulhava durante o
inverno num buraco cheio de gelo e lá ficava até passar toda
rebelião da carne. E os outros seguiam com fervor todo esse
exemplo de mortificação. Ensinava-os não só a mortificar as paixões e a reprimir os
impulsos da carne, mas até os sentidos exteriores, pelos quais a
morte entra na alma. Passou por ali, naquele tempo, o imperador
Otão, para receber a coroa do império terreno. Apesar do enorme
ruído e pompa, o santo pai e seus companheiros, cuja cabana ficava
à beira do caminho, nem saiu para vê-lo, nem permitiu que ninguém
olhasse, a não ser um, a quem mandou para anunciar-lhe
repetidamente que sua glória ia durar pouco.
Pois o glorioso santo permanecia recolhido em si mesmo,
passeando pelo espaço de seu coração, onde preparava uma
habitação digna de Deus. Por isso seus ouvidos não se deixavam
levar pelo clamor de fora, e voz alguma podia distraí-lo ou
interromper sua importante ocupação. Sentia-se investido de
autoridade apostólica e por isso se recusava absolutamente a
bajular reis e príncipes.
Agia sempre com santa simplicidade e não permitia que o aperto
do lugar lhe prejudicasse a amplidão do coração. Por isso escreveu
o nome dos irmãos nos caibros da cabana, para que cada um
soubesse seu lugar quando quisesse orar ou repousar, e não se
perturbasse o silêncio espiritual pela estreiteza do ambiente.
Ainda moravam nesse lugar no dia em que apareceu um homem
conduzindo um jumento, na porta da cabana em que o homem de
Deus estava com os seus companheiros. Temendo ser rejeitado,
instigava o animal a entrar, dizendo: "Entra, que vamos melhorar
este lugar". Ouvindo isso, São Francisco ficou muito chocado, pois
entendeu a intenção do homem: pensava que os frades queriam
morar naquele lugar para promovê-lo e construir casas. São
Francisco saiu imediatamente dali, abandonando a cabana por
causa da palavra do camponês. Transferiu-se para outro lugar, não
muito afastado, chamado Porciúncula, onde, como dissemos, tinha
reparado tempos atrás a igreja de Nossa Senhora. Não queria ter
propriedade nenhuma, para poder possuir tudo no Senhor em maior
plenitude.
T
Pax et bonum
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