(CAPÍTULO 11 do livro da Primeira Vida de São Francisco, do frade Tomás de Celano) - O espírito profético e advertências de São Francisco
O bem-aventurado Francisco se enchia cada vez mais da consolação e da graça do Espírito Santo. Com todo o cuidado e solicitude, dava a seus novos filhos a nova formação, ensinando-os a trilhar com passo seguro o caminho da santa pobreza e da bem-aventurada simplicidade.
Certo dia, admirando a misericórdia do Senhor nos muitos benefícios que executava por seu intermédio, e desejando que o Senhor se dignasse mostrar-lhe como ele e os seus deveriam progredir na perfeição, foi para um lugar de oração, como fazia com freqüência. Lá ficou bastante tempo rezando com temor e tremor, diante do Senhor de toda a terra. Relembrando com amargura os anos que aproveitara mal, repetia sem cessar: "Meu Deus, tende compaixão de mim que sou pecador". Pouco a pouco começou a sentir o coração inundar-se de uma alegria incontável e de uma suavidade sem tamanho. Também começou a sentir que saía de si mesmo, dissipando-se os temores e as trevas que se tinham juntado em seu coração por medo do pecado, e lhe foi infundida uma certeza da remissão de todos os pecados e uma confiança de que viveria da graça. Arrebatado em êxtase e absorvido totalmente em claridade, alargou-se a sua mente e pôde ver com clareza os acontecimentos futuros. Quando a suavidade e a luz se afastaram, ele, renovado no espírito, parecia transformado em um novo homem.
Voltou todo alegre e disse aos irmãos: "Consolai-vos, caríssimos, e alegrai-vos no Senhor. Não vos entristeçais por parecerdes poucos, nem vos desanime a minha simplicidade ou a vossa, porque, como o Senhor me mostrou na verdade, Deus nos vai fazer crescer como a maior das multidões e vai propagar-nos até os confins da terra. Para vosso maior proveito, sou obrigado a contar oque vi. Preferiria calar-me, se a caridade não me obrigasse a contá-lo. Vi uma enorme multidão de homens vindo a nós e querendo viver conosco este gênero de vida e esta Regra de santa religião. Parece-me ter ainda em meus ouvidos o seu rumor, indo e vindo conforme a disposição da obediência. Vi o que pareciam caminhos apinhados de gente vinda de quase de todas as nações: vêm Franceses, apressam-se espanhóis, correm alemães e ingleses e se adianta uma multidão enorme de outras línguas diversas". Ouvindo isso, os frades se encheram de salutar alegria, tanto pela graça que o Senhor concedera ao seu santo como porque tinham sede ardente do bem do próximo, desejando aumentar em número, para em Deus poderem ser salvos todos juntos.
Disse-lhes o santo: "Irmãos, para agradecermos fiel e devotamente a Deus nosso Senhor por todos os seus dons, e para que saibais o que há de ser de nós e de nossos irmãos futuros, compreendei a verdade do que vai acontecer. No começo desta nossa vida vamos encontrar alguns frutos doces e deliciosos. Depois serão oferecidos outros de menor sabor e doçura. No fim, serão dados alguns cheios de amargor, de que não poderemos viver, porque sua acidez será intragável para todos, apesar da aparência de frutos belos e cheirosos. Entretanto, como vos disse, o Senhor fará de nós um grande povo. Mas no fim vai acontecer como quando um pescador lança suas redes no mar ou em algum lago e recolhe uma grande quantidade de peixes. Despeja-os na barca, mas, não podendo levar todos por serem demasiados, escolhe os maiores e melhores para os cestos, jogando os outros fora". A grande verdade que encerram essas palavras proféticas e a exatidão com que se cumpriram são muito claras para os que pensam com imparcialidade. Foi assim que o espírito da profecia repousou sobre São Francisco.
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Pax et bonum
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