(CAPÍTULO 8 do livro da Primeira Vida de São Francisco, do frade Tomás de Celano)
A restauração da igreja de São Damião e a vida das religiosas que ali moravam
A primeira obra que o bem-aventurado Francisco empreendeu depois que se livrou de seu pai terreno foi edificar uma casa para Deus. Mas não tentou construí-la desde o começo: consertou o que era velho, reparou o que era antigo. Não desfez os alicerces mas edificou sobre eles, reservando essa prerrogativa, mesmo sem pensar, ao Cristo: ninguém pode pôr outro fundamento senão o que foi posto: Cristo Jesus.
Voltou pois ao lugar em que, como dissemos, fora construída antigamente uma igreja de São Damião. Com a graça do Altíssimo, reparou-a cuidadosamente em pouco tempo. Foi esse o lugar feliz e abençoado em que teve auspicioso início a família religiosa e nobre Ordem das Senhoras Pobres e santas virgens, quase seis anos depois da conversão do bem-aventurado Francisco e por seu intermédio. Nela estabeleceu-se Clara, natural de Assis, como pedra preciosa e inabalável, alicerce para as outras pedras que haveriam de se sobrepor.
Pois já tinha começado a existir a Ordem dos Frades quando essa senhora foi convertida para Deus pelos conselhos do santo homem, servindo assim de estímulo e modelo para muitas outras. Foi nobre de nascimento e muito mais pela graça. Foi virgem no corpo e puríssima no coração; jovem em idade mas amadurecida no espírito. Firme na decisão e ardentíssima no amor de Deus. Rica em sabedoria, sobressaiu na humildade. Foi Clara de nome, mais clara por sua vida e claríssima em suas virtudes. Sobre ela se ergueu o nobre edifício de preciosíssimas pérolas, cujo louvor não cabe aos homens mas a Deus. Porque não conseguimos compreendê-la com nossa inteligência estreita nem apresentá-la em pobres palavras.
Antes de tudo, elas possuem a virtude da mútua e constante caridade, unindo a tal ponto suas vontades que, vivendo em número de quarenta ou cinqüenta em um mesmo lugar, o mesmo querer e não querer parece fazer de todas um só espírito. Brilha também em cada uma a joia da humildade, que conserva os dons recebidos do céu e lhes merece outras virtudes. O lírio da virgindade e da pureza perfuma-as todas, a ponto de esquecerem os pensamentos terrenos e desejarem apenas meditar nos celestiais. Essa fragrância acende em seus corações tão grande amor pelo Esposo eterno, que a sinceridade desse afeto sagrado apaga toda saudade da vida passada. Distinguem-se a tal ponto pelo título da mais alta pobreza que quase nunca se permitem satisfazer as necessidades extremas de comer e vestir.
Adquiriram a graça especial da mortificação e do silêncio, a ponto de não precisarem esforçar-se para coibir os sentidos e refrear a língua. Algumas delas já se desacostumaram tanto de falar que, quando precisam, mal conseguem expressar-se de maneira correta. Em tudo são adornadas pela virtude da paciência, de modo que nenhuma adversidade ou moléstia chega a perturbá-las ou alterá-las. Afinal, chegaram a tal nível de contemplação, que nela aprendem tudo o que devem fazer ou deixar de fazer e têm a felicidade de saber deixar-se elevar para Deus, dedicando a noite e o dia aos louvores divinos e à oração. Digne-se o eterno Deus, com sua santa graça, dar conclusão ainda mais santa a esse santo começo. Baste por enquanto isso que dissemos sobre as virgens consagradas ao Senhor, devotas servas de Cristo, pois sua vida admirável e a gloriosa instituição que receberam do Papa Gregório (IX), quando ainda era bispo de Ostia, pedem um tempo especial e uma obra à parte.
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Pax et bonum
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