Os textos latinos e algumas edições em línguas vernáculas chamam-lhes “Admoestações”. Em português traduzimos por “Exortações”, por ter esta palavra, como diz Félix Lopes, um sentido “mais manso”. Sobre a sua autenticidade não existem dúvidas. Tiveram-nas presente Celano e Boaventura; e são atestadas por manuscritos em abundância. Por outro lado, quer o conteúdo quer a forma, são tão franciscanos, que Sabatier diz sentir-se tentado a pensar que as “Exortações” seriam fragmentos da Regra de 1221 postos de lado, para não alongar mais o texto. Refazer a sua origem é impossível. Eram, certamente, pensamentos que o santo fundador ia apresentando nas instruções que dava aos irmãos sobre o ideal da vida evangélica, principalmente sobre a santa pobreza. Alguns que lhe terão saído com mais lógica, ou que lhe pareceriam mais pertinentes, tê-los-á mandado escrever. Entre eles, diz Caetano Esser, há “preciosas margaridas de sabedoria espiritual”, de incalculável utilidade para a disciplina e vida dos irmãos menores. No livro que este autor compôs, em forma de meditações, sobre essas pequenas máximas, chama-lhes “Cântico dos Cânticos da pobreza interior”. São de facto a quinta essência da alma franciscana. Não, porém, por serem preciosas sentenças morais e ascéticas, à maneira dos apotegmas dos padres do deserto, mas porque no coração de cada uma delas palpita o zelo pela glória de Deus e a sedução por Jesus Crucificado.
Do pecado da vontade própria
O Senhor disse a Adão: – Do fruto de todas as árvores do paraíso,
podes comer; mas não comas do fruto da árvore da ciência
do bem e do mal (Gn 2, 16-17). Podia, pois, Adão comer de todas as árvores do paraíso; e,
enquanto não foi contra a obediência, não pecou. Come do fruto da árvore da ciência do bem e do mal, quem
se faz dono da sua vontade, e se ensoberbece com os bens que o
Senhor por meio dele diz e faz. A este que, por sugestão do demônio,
assim transgride o que o Senhor mandou, suas obras tornam-se
fruto da ciência do mal. E, por consequência, terá ele de
sofrer a respectiva pena.
A verdadeira obediência
O Senhor diz no Evangelho: – Quem não renuncia a tudo
quanto possui, não pode ser meu discípulo (Lc 14, 33); e: – Quem
quiser salvar a sua vida, perdê-la-á (Lc 9, 24). Renuncia a tudo quanto possui, e perde o seu corpo e a sua
alma, quem todo se abandona à obediência nas mãos do seu superior. E, deste modo, tudo quanto faz ou diz, desde que seja bem e
não vá contra a vontade do superior, é verdadeira obediência. E o súbdito, muito embora veja, alguma vez, que há coisas de
mais proveito e utilidade para a sua alma, do que aquelas que o
superior lhe manda, mesmo então sacrifique a Deus a sua própria
vontade e cuide de cumprir o que o superior lhe ordenou. Pois é
esta obediência de caridade (1Pe 1, 22), que contenta a Deus e ao
próximo. E se acontecesse o superior mandar ao súbdito qualquer coisa
contra a sua alma, muito embora nesse caso lhe não deva obediência,
nem por isso de agastado, o abandone. E se, por tal motivo,
tiver de sofrer perseguições da parte de alguns, trate-os com mais
caridade ainda, por amor de Deus, pois quem antes quer sofrer
perseguições, que abandonar o convívio dos irmãos, esse vive
verdadeiramente em perfeita obediência, porque dá a sua vida
pelos seus irmãos (Jo 15, 13).
Muitos religiosos há que, a pretexto de terem descoberto coisas
melhores que aquelas que os superiores mandam, olham para
trás (Lc 9, 62), e tornam ao vômito da vontade própria (Pr 26, 11;
2Pe 2, 22). Esses tais são homicidas, porque com o seu mau exemplo
levam muitas almas à perdição.
T
Pax et bonum!
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