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Discurso de Bento XVI aos jovens em Assis: Deixemo-nos encontrar por Cristo!

Discurso que Bento XVI pronunciou durante o encontro que manteve com os jovens no domingo 17 de junho de 2009, diante da Basílica de Santa Maria dos Anjos, em Assis.


Queridos jovens
Obrigado pela vossa hospitalidade tão calorosa, sinto em vós a fé, sinto a vossa alegria de ser cristãos católicos! Obrigado pelas palavras carinhosas e pelas importantes perguntas que os vossos dois representantes me dirigiram. Durante este encontro espero dizer algo sobre estas perguntas da vida; portanto, agora não posso dar uma resposta exaustiva, mas procuro dizer algo, e sobretudo saúdo todos vós, jovens desta Diocese de Assis-Nocera Umbra-Gualdo Tadino, com o vosso Bispo, D. Domenico Sorrentino. Saúdo-vos, jovens de todas as Dioceses da Úmbria, aqui reunidos com os vossos Pastores. Saúdo-vos, naturalmente, também a vós jovens vindos de outras regiões da Itália, acompanhados pelos vossos animadores franciscanos. Dirijo uma saudação cordial ao Cardeal Attilio Nicora, meu Legado para as Basílicas papais de Assis, e aos Ministros-Gerais das várias Ordens franciscanas.
Acolhe-nos aqui, juntamente com Francisco, o coração da Mãe, a “Virgem que se fez Igreja”, como ele gosta de invocá-la (cf. Saudação à Bem-Aventurada Virgem Maria, 1: FF 259).
Francisco tinha um afecto especial pela pequena igreja da Porciúncula, conservada nesta Basílica de Santa Maria dos Anjos. Ela foi uma das igrejas que ele se empenhou a reparar nos primeiros anos da sua conversão e onde ouviu e meditou o Evangelho da missão (cf. 1 Cel I, 9, 22: FF 356)
Depois dos primeiros passos de Rivotorto, foi aqui que ele instituiu o “quartel-general” da Ordem, onde os frades pudessem reunir-se como que no seio materno, para se regenerarem e voltarem a partir repletos de impulso apostólico. Aqui obteve para todos uma fonte de misericórdia, na experiência do “grande perdão”, do qual todos nós temos sempre necessidade. Aqui, finalmente, viveu o seu encontro com a “irmã morte”.
Prezados jovens, vós sabeis que o motivo que me trouxe a Assis foi o desejo de reviver o caminho interior de Francisco, por ocasião do VIII centenário da sua conversão. Este momento da minha peregrinação tem um significado particular. Pensei neste momento como o ápice do meu dia. São Francisco fala a todos, mas sei que tem precisamente por vós, jovens, uma atracção especial.
Confirma-o a vossa presença tão numerosa, assim como as interrogações que me apresentastes. A sua conversão teve lugar quando estava na plenitude da sua vitalidade, das suas experiências e dos seus sonhos. Tinha transcorrido vinte e cinco anos sem decifrar o sentido da vida. Poucos meses antes de morrer, recordará aquele período como o tempo em que “vivia nos pecados” (cf. 2 Test 1: FF 110).
Em que pensava, Francisco, quando falava de pecados? Segundo as biografias, cada uma das quais tem um seu perfil, não é fácil determiná-lo. Um retrato eficaz do seu modo de viver encontra-se na Legenda dos três companheiros, onde se lê. “Francisco era muito alegre e generoso, dedicado aos jogos e aos cantos, perambulava pela cidade de Assis dia e noite com amigos do seu cunho, tão generoso ao gastar, que dissipava em almoços e outras coisas aquilo que podia ter ou ganhar” (3 Comp 1, 2: FF 1396). De quantos jovens, nos nossos dias, não se poderia dizer algo de semelhante? Além disso, hoje há a possibilidade de ir divertir-se muito além da própria cidade.
As iniciativas de lazer durante os fins de semana reúnem muitos jovens. Pode-se “perambular” também virtualmente, “navegando” na internet, procurando informações ou contactos de todos os tipos. Infelizmente, não faltam aliás, existem muitos, demasiados! jovens que procuram paisagens mentais tanto fátuos como destruidores nos paraísos artificiais da droga. Como negar que são numerosos os jovens, e não jovens, tentados a seguir de perto a vida do jovem Francisco, antes da sua conversão? Por detrás daquele modo de viver havia o desejo de felicidade que habita cada coração humano. Mas podia aquela vida dar a alegria verdadeira? Francisco certamente não a encontrou. Estimados jovens, vós mesmos podeis fazer esta verificação a partir da vossa experiência. A verdade é que as coisas finitas podem dar centelhas de alegria, mas somente o Infinito pode encher o coração. Disse-o outro grande convertido, Santo Agostinho: “Criastes-nos para Vós, ó Senhor, e o nosso coração está inquieto, enquanto não descansa em Vós” (Confissões, 1, 1).
Ainda o mesmo texto biográfico refere-nos que Francisco era bastante vaidoso. Gostava de fazer confeccionar para si vestes sumptuosas e buscava a originalidade (cf. 3 Comp 1, 2: FF 1396). Na vaidade, na busca da originalidade, há algo pelo que todos nós somos de alguma forma tocados.
Hoje, costuma-se falar de “cuidado da imagem”, ou de “busca da imagem”. Para podermos ter um mínimo de bom êxito, temos necessidade de creditar-nos aos olhos dos outros com algo de inédito, de original. Em certa medida, isto pode expressar um desejo inocente de ser bem acolhidos. Mas com frequência insinuam-se nisto o orgulho, a busca exagerada de nós mesmos, o egoísmo e o desejo de domínio. Na realidade, centrar a vida em nós mesmos é uma armadilha mortal: nós somente poderemos ser nós mesmos, se nos abrirmos ao amor, amando Deus e os nossos irmãos.
Um aspecto que impressionava os contemporâneos de Francisco era também a sua ambição, a sua sede de glória e de aventura. Foi isto que o impeliu para o campo de batalha, levando-o a terminar como prisioneiro por um ano em Perugia. Uma vez livre, a mesma sede de glória tê-lo-ia levado até às Apúlias, numa nova expedição militar, mas precisamente nesta circunstância, em Espoleto, o Senhor fez-se presente no seu coração, induziu-o a voltar pelos seus passos e a colocar-se seriamente à escuta da sua Palavra. É interessante observar como o Senhor tomou Francisco pelo seu lado, o do desejo de se afirmar, para lhe indicar o caminho de uma ambição santa, projectada rumo ao Infinito: “Quem te pode ser mais útil: o senhor ou o servo?” (3 Comp 2, 6: FF 1401), foi a pergunta que ele ouviu ressoar no seu coração. É como dizer: por que te contentares com depender dos homens, quando existe um Deus pronto a acolher-te na sua casa, no seu serviço real?
Dilectos jovens, recordastes-me alguns problemas da condição juvenil, da vossa dificuldade de construir para vós um futuro, e sobretudo do cansaço de discernir a verdade. Na narração da paixão de Cristo encontramos a pergunta de Pilatos: “O que é a verdade?” (Jo 18, 38). É a pergunta de um céptico, que diz: “Tu dizes que és a verdade, mas o que é a verdade?”. E assim, dado que a verdade é irreconhecível, Pilatos deixa entender: façamos segundo quanto é mais prático, segundo o que tem maior êxito, e não procurando a verdade. Depois, condena Jesus à morte, porque segue o pragmatismo, o sucesso e a sua própria sorte. Também hoje, muitos perguntam: “Mas o que é a verdade? Podemos encontrar alguns dos seus fragmentos, mas como poderemos encontrar a verdade?”. É realmente árduo acreditar que esta é a verdade: Jesus Cristo, a verdadeira Vida, a bússola da nossa vida. E todavia, se começássemos, como é uma grande tentação, a viver apenas segundo as possibilidades do momento, sem verdade, verdadeiramente perdemos também o fundamento da paz comum, que pode ser unicamente a verdade. E esta verdade é Cristo. A verdade de Cristo verificou-se na vida dos santos de todos os séculos. Os santos constituem o grande vestígio de luz na história, que atesta: esta é a vida, este é o caminho, esta é a verdade. Por isso, tenhamos a coragem de dizer sim a Jesus Cristo: “A tua verdade verificou-se na vida de muitos santos. Nós seguimos-te!”. Prezados jovens, ao vir aqui da Basílica do Sacro Convento, pensei que falar quase uma hora sozinho talvez não seja um bem. Por isso, penso que agora seria o momento para uma pausa, para um canto. Sei que tendes muitos cânticos, e talvez neste momento eu possa ouvir um destes vossos cantos.
Então, ouvimos repetir no cântico que São Francisco ouviu uma voz. Ouviu no seu coração a voz de Cristo; e o que aconteceu? Aconteceu que compreendeu que devia colocar-se ao serviço dos irmãos, sobretudo dos mais sofredores. Tal é a consequência deste primeiro encontro com a voz de Cristo. Hoje de manhã, passando por Rivotorto, lancei um olhar ao lugar em que, segundo a tradição, estavam reunidos os leprosos: os últimos, os marginalizados, em relação aos quais Francisco experimentava um irresistível sentido de repugnância. Sensibilizado pela graça, ele abriu-lhes o seu coração. E fê-lo não somente através de um misericordioso gesto de esmola seria demasiado pouco mas beijando-os e servindo-os. Ele mesmo confessa que aquilo que antes lhe resultava amargo, se lhe tornou “doçura de alma e de corpo” (2 Test 3: FF 110).
Portanto, a graça começou a plasmar Francisco. Ele tornou-se cada vez mais capaz de fixar o seu olhar no rosto de Cristo e de ouvir a sua voz. Foi naquele momento que o Crucifixo de São Damião lhe dirigiu a palavra, chamando-o para uma missão ousada: “Vai, Francisco, repara a minha casa que, como vês, está totalmente em ruína” (2 Cel I, 6, 10: FF 593). Ao parar hoje de manhã em São Damião, e depois na Basílica de Santa Clara, onde se conserva o Crucifixo original que falou a Francisco, também eu fixei o meu olhar naqueles olhos de Cristo. É a imagem de Cristo Crucificado-Ressuscitado, vida da Igreja, que fala inclusive em nós se estamos atentos, como há dois mil anos falou aos seus apóstolos e há oitocentos anos falou a Francisco. A Igreja vive continuamente deste encontro.
Sim, caros jovens: deixemo-nos encontrar por Cristo! Confiemos nele, ouçamos a sua Palavra. Nele não há somente um ser humano fascinante. Sem dúvida, Ele é plenamente humano e em tudo semelhante a nós, excepto no pecado (cf. Hb 4, 15). Todavia, é também muito mais: nele Deus fez-se homem e, portanto, Ele é o único Salvador, como diz o seu próprio nome: Jesus, ou seja, “Deus salva”. A Assis as pessoas vêm para aprender de São Francisco o segredo para reconhecer Jesus Cristo e fazer a Sua experiência. Eis o que Francisco sentia por Jesus, segundo quanto narra o seu primeiro biógrafo: “Ele tinha Jesus sempre no coração. Jesus nos lábios, Jesus nos ouvidos, Jesus nos olhos, Jesus nas mãos, Jesus em todos os outros membros… Aliás, encontrando-se muitas vezes em viagem e meditando ou cantando Jesus, esquecia-se que estava em viagem e detinha-se para convidar todas as criaturas ao louvor de Jesus” (1 Cel II, 9, 115: FF 115). Deste modo, vemos que a comunhão com Jesus abre também o coração e os olhos para a Criação.
Em síntese, Francisco era um verdadeiro apaixonado por Jesus. Encontrava-o na Palavra de Deus, nos irmãos e na natureza, mas sobretudo na sua presença eucarística. A este propósito, escrevia no Testamento: “Do mesmo altíssimo Filho de Deus, nada mais vejo corporalmente neste mundo, a não ser o seu santíssimo corpo e o seu santíssimo sangue” (2 Test 10: FF 113). O Presépio de Greccio exprime a necessidade de O contemplar na sua terna humanidade de Menino (cf. 1 Cel I, 30, 85-86: FF 469-470). A experiência de La Verna, onde recebeu os estigmas, mostra a que nível de intimidade ele tinha chegado na relação com Cristo crucificado. Com Paulo, ele podia realmente dizer: “Para mim, viver é Cristo” (Fl 1, 21). Se se despoja de tudo e escolhe a pobreza, o motivo de tudo isto é Cristo, é somente Cristo. Jesus é o seu tudo: e basta-lhe!
Exactamente porque pertence a Cristo, Francisco pertence também à Igreja. Do Crucifixo de São Damião, ele recebeu a indicação de reparar a casa de Cristo, que é precisamente a Igreja. Entre Cristo e a Igreja existe uma relação íntima e indissolúvel. Sem dúvida, ser chamado a repará-la implicava, na missão de Francisco, algo de próprio e de original. Ao mesmo tempo, aquela tarefa nada mais era, em última análise, do que a responsabilidade atribuída por Cristo a cada baptizado.
E inclusive a cada um de nós, Ele diz: “Vai, repara a minha casa”. Todos nós somos chamados a reparar de novo, em cada geração, a casa de Cristo, a Igreja. E a Igreja vive e torna-se bela, somente quando age deste modo. E como sabemos, existem muitas formas de reparar, de edificar, de construir a casa de Deus, a Igreja. Além disso, ela edifica-se através das vocações mais diversificadas, da laical e familiar, à vida de especial consagração, à vocação sacerdotal.
Nesta altura, desejo dedicar uma palavra precisamente a esta última vocação. Francisco, que foi diácono, não sacerdote (cf. 1 Cel I, 30, 86: FF 470), nutria pelos sacerdotes uma grande veneração. Embora soubesse que também nos ministros de Deus há muita pobreza e fragilidade, via-os como ministros do Corpo de Cristo, e isto bastava para fazer brotar nele um sentido de amor, de reverência e de obediência (cf. 2 Test 6-10: FF 112-113). O seu amor pelos sacerdotes é um convite a redescobrir a beleza desta vocação. Ela é vital para o povo de Deus. Amados jovens, circundai de amor e gratidão os vossos sacerdotes. Se o Senhor tivesse que chamar algum de vós para este grande ministério, como também para alguma forma de vida consagrada, não hesiteis em dizer o vosso sim. Sim, não é fácil, mas é bom ser ministro do Senhor, é bom prodigalizar a vida por Ele!
O jovem Francisco sentia um afecto verdadeiramente filial pelo seu Bispo, e foi nas suas mãos que, despojando-se de tudo, fez a profissão de uma vida já totalmente consagrada ao Senhor (cf. 1 Cel I, 6, 15: FF 344). Sentia de modo especial a missão do Vigário de Cristo, a quem submeteu a sua Regra e confiou a sua Ordem. Se os Papas mostraram tanto afecto por Assis, ao longo da história, isto constitui num certo sentido uma retribuição do carinho que Francisco teve pelo Papa. Caríssimos jovens, sinto-me feliz por estar aqui, na esteira dos meus Predecessores, e de maneira particular do amigo, do amado Papa João Paulo II.
Como que em círculos concêntricos, o amor de Francisco por Jesus dilata-se não apenas na Igreja, mas em todas as coisas, vistas em Cristo e por Cristo. Daqui nasce o Cântico das Criaturas, em que o olho descansa no esplendor da Criação: do irmão sol à irmã lua, da irmã água ao irmão fogo. O seu olhar interior tornou-se assim puro e penetrante, a ponto de vislumbrar a beleza do Criador na beleza das criaturas. O Cântico do irmão sol, antes de constituir uma elevadíssima página de poesia e um convite implícito ao respeito pela Criação, é uma oração, um louvor que se dirige ao Senhor, ao Criador de todas as coisas.
Sob a perspectiva da oração é preciso ver também o compromisso de Francisco pela paz. Este aspecto da sua vida é de grande actualidade, num mundo que tem tanta necessidade de paz e não consegue encontrar o seu caminho. Francisco foi um homem de paz e um pacificador. Mostrou-o inclusive na mansidão com que se colocou, todavia sem jamais silenciar a sua fé, diante de homens de outros credos, como demonstra o seu encontro com o Sultão (cf. 1 Cel I, 20, 57: FF 422). Se hoje o diálogo inter-religioso, especialmente depois do Concílio Vaticano II, se tornou património comum e irrenunciável da sensibilidade cristã, Francisco pode ajudar-nos a dialogar autenticamente, sem cair numa atitude de indiferença em relação à verdade ou à atenuação do nosso anúncio cristão. O facto de ser um homem de paz, de tolerância e de diálogo nasce sempre da experiência de Deus-Amor. Não por acaso, a sua saudação de paz é uma oração: “O Senhor te conceda a paz” (2 Test 23: FF 121).
Prezados jovens, a vossa numerosa presença aqui diz como a figura de Francisco fala ao vosso coração. É de bom grado que vos volto a transmitir a sua mensagem, mas sobretudo a sua vida e o seu testemunho. Chegou a hora de jovens que, como Francisco, vivam seriamente e saibam estabelecer uma relação pessoal com Jesus. Chegou a hora de considerar a história deste terceiro milénio, há pouco iniciado, como uma história que tem mais necessidade do que nunca de ser fermentada pelo Evangelho.
Faço mais uma vez meu o convite que o meu amado Predecessor, João Paulo II, gostava de dirigir, especialmente aos jovens: “Abri as portas a Cristo”. Abri-as à maneira de Francisco, sem medo, sem cálculos, sem medida. Caros jovens, sede a minha alegria, como o fostes de João Paulo II. Desta Basílica dedicada a Santa Maria dos Anjos, marco um encontro convosco na Santa Casa de Loreto, nos primeiros dias de Setembro, para a Ágora dos jovens italianos.
Concedo-vos a todos a minha Bênção! Obrigado por tudo, pela vossa presença e pela vossa oração.

[Tradução distribuída pela Santa Sé.© Editrice Libreria Vaticana]

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