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Boletim Espiritual Franciscano Nº03 - Junho/18

Apostolado Espírito Franciscano

Boletim Espiritual Franciscano nº 03,  junho de 2018:

Destaque: "Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo" - A cruz e a oração: caminho para a santificação;

Especial: Santo Antônio de Pádua, o Martelo dos Hereges - Traços biográficos e o seu sermão "Na solidão encontrarás o Senhor".








 Adoramus te, Sanctissime Domine Iesu Christe, hic et ad omnes Ecclesias tuas quae sunt in toto mundo, et benedicimus tibi, quia per sanctam Crucem tuam redemmisti mundum"

“Nós vos adoramos, Santíssimo Senhor Jesus Cristo, aqui e em todas as tuas Igrejas que estão no mundo inteiro, e vos bendizemos, porque pela tua santa Cruz redimistes o mundo”


Esta curta, porém, bela oração, sempre esteve presente nos lábios de São Francisco de Assis e dos seus primeiros companheiros. Não obstante, Frei Tomás de Celano, no relato da Primeira Vida de São Francisco, revela que o Seráfico Pai ensinou esta oração aos seus primeiros frades logo após insistências da parte destes para que ele os ensinasse a rezar, tal como pediram os Santos Apóstolos a Nosso Senhor Jesus Cristo: "Senhor, ensinai-nos a rezar!" (São Lucas 11, 1). A oração do "Adoramus Te" era rezada constantemente pelos frades, ao avistarem uma cruz, não importando a distância em que ela estivesse, eles se prostravam por terra em adoração a Cristo Crucificado e rezavam, assim como o Seráfico Patriarca havia lhes ensinado: "Adoramus te, Sanctíssime Domine Iesu Christe..." e logo em seguida recitavam o Pater Noster. Quão grande era a devoção dos primeiros frades com a Sagrada Cruz! A simplicidade dos costumes e de suas vidas não permitiam que vãs preocupações e doutrinas pervertidas penetrassem em suas almas, embaçando assim a límpida imagem do Cristo que sofreu por nós no Calvário. Havia nos primeiros frades franciscanos um tom constante de vida penitente e contemplativa. O silêncio e a solidão, apesar do mútuo contato da vida em comum, eram perfeitamente observados pelos irmãos. Não haviam escrúpulos, murmurações e escândalos: viviam na mais perfeita simplicidade e austeridade. 

O amor pela Cruz Sagrada guiou o Seráfico Patriarca desde sua conversão, mais explicitamente após o Crucificado de São Damião ter-lhe dito: "Vai, reconstrói a Minha Igreja, que está em ruínas". Em um dos poucos escritos espirituais deixados por São Francisco de Assis, um, em especial, chama bastante atenção. Intitulado "Que ninguém se ensoberbeça, mas antes se glorie na Cruz do Senhor", o Seráfico Patriarca nos dá uma impressionante exortação a respeito da soberba e da cruz de Cristo. Diz o santo de Assis: "Considera, ó homem, a que excelência te elevou o Senhor, criando-te e formando-te segundo o corpo à imagem do seu dileto Filho e, segundo o espírito, à sua própria semelhança. Entretanto, as criaturas todas que estão debaixo do céu, a seu modo, servem e conhecem e obedecem ao seu Criador melhor do que tu. Não foram tampouco os espíritos malignos que o crucificaram, mas tu em aliança com eles o crucificaste e o crucificas ainda, quando te deleitas em vícios e pecados. De que, então, podes gloriar-te? Mesmo que fosses tão arguto e sábio a ponto de possuíres toda a ciência, saberes interpretar toda espécie de línguas e perscrutares engenhosamente as coisas celestiais, nunca deverias gabar-te de tudo isso, porquanto um só demônio conhece mais das coisas celestiais e ainda agora conhece mais as da terra que todos os homens juntos, a não ser que alguém tenha recebido do Senhor um conhecimento especial da mais alta sabedoria. 

Do mesmo modo, se fosses mais belo e mais rico que todos, e até operasses maravilhas e afugentasses os demônios, tudo isso seria estranho a ti nem te pertenceria nem disto te poderias desvanecer. Mas numa só coisa podemos "gloriar-nos: de nossas fraquezas" (2Cor 12,5), e carregando dia a dia a santa Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo." 

Quanta riqueza espiritual em tão poucas palavras! São Luís Maria Grignon de Mortfort, grande apóstolo de Nossa Senhora, em sua magnífica obra "Carta aos Amigos da Cruz", reforça o grande amor que devemos dedicar especialmente à Cruz de Cristo. Diz o santo francês: "[...] olhai as chagas e as dores de Jesus Cristo Crucificado. Ele mesmo vô-lo diz:

 “Ó vós que passais pelo caminho espinhoso e crucificado por que passei, olhai e vede: olhai com os próprios olhos do vosso corpo e vede, com os olhos de vossa contemplação, se vossa pobreza, vossa nudez, vosso desprezo, vossas dores, vossos abandonos são semelhantes aos meus; olhai-me, a mim que sou inocente, e queixai-vos, vós que sois culpados!” O Espírito Santo nos ordena, pela boca dos Apóstolos, esta mesma contemplação de Jesus Crucificado; ordena que nos armemos com este pensamento mais penetrante e terrível para todos os nossos inimigos que todas as outras armas. Quando fordes atacados pela pobreza, pela abjeção, pela dor, pela tentação e pelas cruzes, armai-vos com um escudo, uma couraça, um capacete e uma espada de dois gumes, a saber: o pensamento de Jesus Crucificado. Eis a solução de toda dificuldade e a vitória sobre qualquer inimigo".

A Cruz é, verdadeiramente, a chave para a santidade e a porta para o Céu. Devemos como cristãos nutrir uma devoção especial para com o Cristo Crucificado, e façamos das nossas palavras as de São Francisco de Assis em sua Regra Não-Bulada: “Te damos graças porque, assim como por teu Filho nos criaste, assim por teu santo amor, com que nos amaste (cfr. Jo 17,26), fizeste que ele, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, nascesse da gloriosa sempre virgem beatíssima Santa Maria, e quiseste que nós, cativos, fôssemos redimidos por sua cruz e sangue e morte”.


Santo Antônio de Pádua, o Martelo dos Hereges
(Fontes Franciscanas III, Vol. 1, Santo Antônio de Lisboa)

Santo Antônio de Pádua (de Lisboa)


Traços Biográficos do Santo

Porque os mais abalizados antonianistas não conseguiram obter uma cronologia segura da vida do Santo lusitano, os quatro Ministros Gerais da Ordem Franciscana, reunidos em Roma, em 1986, decidiram seguir a tradição, aliás, nascida no fim do século XIII, de fixar o ano de 1995 como sendo o comemorativo do oitavo centenário do nascimento de Santo Antônio. Dúvidas surgiram em 1931, avolumadas em 1946, acerca do atraso do seu nascimento para ano à volta de 1190. Exames científicos aos seus restos mortais, efetuados em Pádua durante o mês de Janeiro de 1981, chegaram a conclusões idênticas às dos historiadores. Apenas como indicativos, susceptíveis de ajustamentos e correções, damos a seguir alguns dados cronológicos do nosso Santo Antônio de Lisboa:



• Por 1190, em dia e mês que não constam (embora fixados, no século XVII, a I5 de agosto de 1195), nasce em Lisboa, em casa situada defronte da Sé, em cuja pia baptismal recebe o nome de Fernando;
• Até aos 15 anos, em casa dos pais, frequenta a escola catedralícia desde os 7-8 anos de idade;
• Por dois a cinco anos, crise da adolescência;
• Por 1208 - 1209, entra na Canónica-Mosteiro de São Vicente de Fora e faz-se Cônego Regrante de Santo Agostinho (N.t: Agostiniano);
• Por 1210 - 1211, transfere-se para a Canônica-Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra;
• Por 1218 - 1219, recebe a ordenação sacerdotal em Santa Cruz de Coimbra e realiza, provavelmente, algum trabalho pastoral nas redondezas;
• Em 1219, tem um possível e provável contato com os futuros protomártires da Ordem dos Frades Menores;
• Em 16 de Janeiro de 1220, dá-se o martírio em Marrocos de cinco Frades Menores, cujos restos mortais chegaram a Santa Cruz de Coimbra breves meses depois;
• Na primavera de 1220, Dom Fernando faz-se Frade Menor e toma o nome de Frei Antônio;
• No outono de 1220, embarca para Marrocos, onde permanece doente todo o inverno de 1220 - 1221;


• Na primavera de 1221, deixa Marrocos e tempestade no Mediterrâneo lança-o na Sicília, onde se acolhe no eremitério dos Frades Menores de Messina;
• No fim de Maio de 122 1, participa no Capítulo Geral das Esteiras, reunido em Assis e presidido pelo Fundador da Ordem dos Frades Menores;
• De Junho de 1221 a Setembro de 1222, vive recolhido no eremitério de Monte Paolo (Emília) numa espécie de Noviciado não canónico;
• No dia 24 de Setembro de 1222, com alguma probabilidade, revela o seu gênio oratório e sabedoria em Forli, a 8 km de Monte Paolo, por ocasião de ordenações eclesiásticas;
• Final do ano de 1222, inicia a vida apostólica;
• Final de 1223 e começos de 1224, Frei Francisco de Assis pede-lhe que ensine Teologia aos confrades em Bolonha;
• Em 1224, encontra-se (por alguns dias?) com o Abade Tomás Galo em Vercelli;
• De 1224 - 1225 a 1227, desenvolve apostolado intenso no sul e centro da França: ministério da pregação em muita parte e magistério (Montpellier e Toulouse);
• No Capítulo do São Miguel de 1225 (?), é nomeado Guardião de Puy-en-Valey;
• A 30 de Novembro de 1225 (?), prega no Sínodo Nacional de Bourges e nele interpela com veemência o Arcebispo D. Simão de Sully;
• No Capítulo de Arfes de 1226, é eleito Custódio de Limoges;
• Em 1226, funda o Convento de Brive;
• Ao fim da tarde de 3 de Outubro de 122 6, morre, em Assis, o Fundador da Ordem dos Frades Menores;
• No Capítulo Geral do Pentecostes de 1227, em que participa, é eleito Ministro Provincial da Romagna-Emília;
• Em 122 7, principia a redacção definitiva do seu Opus Evangeliorum ou Sermones Dominicales, a partir de apontamentos tomados para as suas pregações e para as suas aulas em Bolonha, Montpellier e Toulouse;
• Na Páscoa de 1228, prega em Roma perante o Papa, os Cardeais e muito povo. Gregório IX qualifica-o, então, de “Arca do Testamento”;
• No Capitulo Geral do Pentecostes de 1230, sai nomeado membro da delegação que em Roma obterá do Papa a bula “Quo Elongati” acerca da interpretação da Regra e do Testamento de São Francisco. Terá passado parte do verão desse ano na Corte Pontifícia e inspirado os termos da citada bula, que data de 28 de Setembro de 1230;

• Em 1230 - 1231, redige Sermões Festivos, a pedido do Bispo de Óstia, Rainaldo di Jenne, que leva do Natal à festa de São Pedro e São Paulo, este já não concluído;
• A 15 de Março de 1231, o Município de Pádua assina um decreto de libertação de presos por dívidas, a pedido de Frei Antônio, como vem expresso no texto;
• Na Quaresma de 1231, prega e confessa diariamente, o que lhe provoca cansaço e agrava o estado de saúde;
• Em Maio e Junho de 1231, passa uma espécie de férias em Camposampiero, junto a Pádua;
• Em fim de Maio de 1231 (?), desloca-se a Verona, junto de Ezzelino III da Romano, a pedir a libertação de prisioneiros guelfos, encabeçados por Ricardo, Conde de São Bonifácio;
• A 13 de Junho de 1231, adoece, no fim do almoço, em Camposampiero e morre, ao fim da tarde, em Arcella, subúrbios de Pádua;
• A 17 de Junho de 1231, terça-feira, fazem-se-lhe solenes exéquias e é definitivamente tumulado na igreja de Santa Maria de Pádua. realizando então os primeiros milagres. a comprovarem-lhe as virtudes que o adornavam e lhe conferiam a fama de santidade de que gozava;
• A 30 de Maio de 1232, o Papa Gregório IX, que fora seu amigo pessoal, coloca-o no catálogo dos Santos, tendo decorrido a cerimónia na catedral de Espoleta

Restos mortais de Santo Antônio de Pádua



• A 8 de Abril de 1263, o Ministro Geral da Ordem dos Frades Menores, o célebre teólogo São Boaventura da Bagnoregio, ao proceder à trasladação do seu corpo para a Basílica do Santo, encontra-lhe a língua incorrupta e manda colocá-la em relicário;
• A 14 de Junho de 1310, mudou-se o túmulo para outro lugar da mesma Basílica;
• A 15 de Fevereiro de 1350, o Cardeal Guy de Boulogne mandou colocar o queixo em relicário. Na época começaram a distribuir-se relíquias do Santo: parte dum braço, uma das mãos, um dente, parte da túnica e dos cabelos. Fala-se, em ulteriores inventários, também em rádio, em dedo e em pele da cabeça. Parte do rádio veio parar, em 1968, à Catedral de Lisboa;

• De 6 de Janeiro a 15 de Fevereiro de 198 1, realiza-se um segundo reconhecimento dos restos mortais do Santo e verifica-se que as cartilagens do aparelho fonador continuavam incorruptas.





Sermão de Santo Antônio de Pádua


Traduzido diretamente dos originais em latim por frei Geraldo Monteiro, conforme a edição crítica: “Sermões Dominicais e Festivos, III volume, Pádua, 1979, Ed. Messaggero Padova”.


“Na solidão encontrarás o Senhor”
(Na Festa de São João Evangelista, III, pg.31-35)

1. Naquele tempo disse Jesus a Pedro: “Segue-me” (Jo 21,19). Neste passo do Evangelho, podem-se observar duas coisas: a imitação de Cristo e seu amor para com seu fiel discípulo.

I - A Imitação de Cristo.

2. A imitação de Cristo está expressa nas palavras: “Segue-me”. Sim, isso ele o diz a Pedro, mas também a todo cristão: “segue-me, tu também, nu como nu o sou, livre de todo apego como livre o sou”. Por isso é que Jeremias afirma: “Chamar-me-ás de Pai e não te cansarás de andar atrás de mim” (3,19). Segue-me, portanto, e joga fora o peso que levas, pois, carregado como estás, não podes andar atrás de mim que corro. “Corri, diz o salmista, tendo sede” (Sal 61,5); sede, entende-se, de salvar a humanidade. E para onde ele corre? Na direção da cruz. Por isso, corre também tu atrás de Cristo para que assim como ele tomou sua cruz por ti, tu também tomes a tua cruz por ti. Lê-se no evangelho de Lucas: “Se alguém quer vir após mim, renegue a si mesmo” (9,23), quer dizer, sacrifique a própria vontade, tome sua cruz mortificando a carne, todos os dias, isto é, continuamente, e assim siga-me. Portanto: segue-me! Ou então, se quiseres vir a mim e encontrar-me, segue-me, isto é, procura-me à parte. Ele diz aos discípulos: “Vinde à parte a um lugar deserto e descansai um pouco. Com efeito, tão grande era a multidão que ia e vinha que ele não tinha nem mesmo o tempo para comer” (Mc 6,31). Que coisa! Quantas paixões da carne, que multidão de pensamentos vão e vêm pelo nosso coração! E assim não temos nem o tempo de nos alimentar com o alimento da eterna doçura, nem de sentir o sabor da contemplação interior.

Eis porque o bondoso Mestre diz ainda: “Vinde à parte, para longe da multidão, vinde a um lugar apartado, isto é, à solidão interior, da mente e do corpo, e descansai um pouco. Sim, “um pouco”, porque como diz o Apocalipse: “Fez-se silêncio no céu por mais ou menos uma meia hora” (8,1) e o Salmo 54,7: “Quem me dará asas de pomba para voar e encontrar repouso?”. E o profeta Oséias também diz: “Eis que eu a amamentarei e conduzi-la-ei ao deserto e lhe falarei ao coração” (2,16). Nestas três expressões (amamentarei-conduzirei-falarei ao coração) podem-se notar também três situações: aquela de quem está no começo, aquela de quem está progredindo e aquela de quem já está na perfeição. É a graça que amamenta quem está no começo e o ilumina para que cresça e progrida de virtude em virtude; e por isso o conduz do barulho dos vícios, do tumulto dos pensamentos à solidão, isto é, à quietude interior da mente.

Aí então, torna-o perfeito, fala-lhe ao coração e ele sente a doçura da inspiração divina e pode elevar-se de corpo e alma à alegria do espírito. E então, como é grande em seu coração a devoção! E como são grandes também a contemplação e o êxtase! Através da grandeza da devoção, a pessoa eleva-se acima de si mesma.

Através da sublime contemplação ela se sente como que transportada ainda acima de si mesma e, através do êxtase, ela é levada como para fora de si mesma. Por isso: “segue-me”. O Senhor fala como uma mãe carinhosa que quando está ensinando seu nenê a caminhar, mostra-lhe o pão ou uma maçã e lhe diz: “Vem, vem, eu vou te dar!” E quando a criança está pertinho, pronta para pegar, a mãe, devagarinho... vai se afastando e dizendo-lhe, mostrando o pão e a maçã: “Vem, vem, pega!” Existem também pássaros que tiram do ninho seus filhotes e, voando, os ensina a voar e segui-los. Assim faz Cristo: ele mesmo se coloca como exemplo para que o sigamos e promete o prêmio no Reino dos Céus.

3. Segue-me, portanto, porque eu conheço o bom caminho pelo qual conduzir-te. No Livro dos Provérbios encontra-se escrito a este propósito: “Mostrar-te-ei o caminho da sabedoria. Conduzir-te-ei pelos caminhos da retidão. Quando neles entrares, teus passos não serão trôpegos e, se correres, não haverás de tropeçar” (4,11-12).

O caminho da sabedoria é o caminho da humildade. Bem diferente é o caminho da estultícia, porque é o caminho do orgulho. Jesus mesmo no-lo mostrou quando disse: “Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração e encontrareis descanso para vossas almas” (Mt 11,29). O caminho é estreito, dá apenas para dois pés, de tal modo que nenhum outro possa passar. Diz-se em latim 'semita’, isto é, “meia estrada”, 'semis iter’, pois “semis” quer dizer metade e 'iter’ quer dizer caminho. Caminhos da retidão são os da pobreza e da obediência. Por eles é que Cristo te conduz com seu exemplo, ele mesmo pobre e obediente. Nesses caminhos não existe estrada tortuosa; tudo é bem plaino, bem reto! Mas o que causa maravilha é o fato que, mesmo sendo assim tão estreitos, os passos dados neles não são indecisos, sem jeito. O caminho do mundo, ao contrário, é largo e espaçoso. E, no entanto, os seculares, aqueles que vivem segundo o mundo, acham que ele nunca é suficientemente largo: são como bêbados que acham sempre estreito qualquer caminho, mesmo o largo.

Com efeito, a maldade tem uma estreiteza conatural. A pobreza e a obediência, ao contrário, contêm, é claro, uma restrição, mas por isso mesmo doam também liberdade, porque a pobreza torna rico e a obediência livre. Quem percorrer esses caminhos seguindo a Jesus, jamais encontrará o tropeço das riquezas ou o tropeço da própria vontade. Segue-me, portanto, e mostrar-te-ei “aquilo que olho não viu, ouvido não ouviu nem penetrou em coração de homem” (1Cor 2,9). “Segue-me e dar-te-ei, diz Isaías, tesouros escondidos e riquezas ocultas” (45,3).

E o mesmo: “A vista disso ficarás radiante de alegria e teu coração estremecerá e se dilatará” (60,5). Haverás de ver a Deus face a face, assim como ele é e te encherás de delícias e riquezas na dupla estola da alma e do corpo. Teu coração admirará as ordens dos anjos e a moradia dos bem-aventurados e, por causa da imensa felicidade, se dilatará na exultação e no louvor. Portanto: segue-me!

II – O Amor de Cristo para com o seu discípulo fiel.

4. O amor de Cristo para com a pessoa que lhe é fiel é bem demonstrado, por exemplo, na seguinte passagem: “Pedro, então, tendo-se voltado, viu que o estava seguindo o discípulo que Jesus amava, aquele que na ceia tinha se inclinado sobre o seu peito” (Jo 21,20). Quem realmente segue a Cristo, deseja que todos sigam o Senhor. Eis porque se dirige ao próximo com carinho, com oração devota e com a pregação. O voltar-se de Pedro significa exatamente isto e concorda com o final do Apocalipse – “O esposo e a esposa, isto é, Cristo e a Igreja, dizem: Vem! E quem escuta diga por sua vez: Vem! (22,17). Cristo, por meio da inspiração celeste, e a Igreja, por meio da pregação, dizem ao homem e à mulher: Vem! E quem ouve essas palavras, diga por sua vez ao próximo: Vem! Não queres seguir a Jesus? Portanto: tendo-se voltado, Pedro viu que o estava seguindo aquele discípulo que Jesus amava. E Jesus ama quem o segue. No livro dos Números diz-se o seguinte: “O meu servo Caleb, que me seguiu fielmente, eu o introduzirei na terra que ele percorreu. E a sua geração dela tomará posse” (14,24).

A Glossa, sem dizer o nome, mas com as palavras “que Jesus amava” está indicado o discípulo João e ele se distingue dos outros não porque Jesus amasse somente a ele, mas porque amava mais a ele do que aos outros. Amava também os outros, mas a este o amava com “maior afeição”. E Jesus gratificou-o com uma ternura maior de seu amor, pois o havia chamado quando era ainda virgem e virgem ele permaneceu; por isso a ele Jesus confiou sua própria mãe. Este foi um gesto imenso de amor! Somente João repousou a cabeça no peito de Jesus” no qual estão encerrados todos os tesouros da sabedoria e da ciência” (Col 2,3). Nesse mesmo gesto estava como que prefigurado o fato dos inumeráveis segredos divinos que ele haveria de escrever, a diferença dos demais evangelistas.

5. Pode-se observar também que Jacó descansou sobre uma pedra e João sobre o peito de Jesus. Aquele durante a caminhada, este durante a ceia. Em Jacó são representados os peregrinos sobre a terra, em João os bem-aventurados. Aqueles, durante a caminhada terrena, estes, já chegados à pátria celeste. No livro do Gênesis, se diz: “Jacó partiu de Bersabéia e dirigia-se a Haran. Querendo descansar, pegou uma pedra, colocou-a sob a cabeça e dormiu. E, em sonho, viu uma escada em pé e anjos subindo e descendo por ela e o Senhor no topo da escada.” (28,10-13).

Jacó é o justo ainda peregrino sobre esta terra onde tem muito que lutar. Ele sai de Bersabéia que significa “sétimo poço” e representa o poço sem fundo da cobiça humana, exatamente como o sétimo dia do qual se lê não ter fim. Dirige-se rumo a Haran que significa “alto” e representa por isso a Jerusalém celeste. O profeta Habacuc o diz: “Subirei e me unirei ao nosso povo já em paz”, o nosso povo que triunfou sobre a maldade do século. E, por desejar aliviar o cansaço de sua peregrinação, o justo coloca sob a cabeça uma pedra e adormece. A cabeça é a mente. A pedra é a firmeza da fé. A escada em pé representa o duplo amor a Deus e ao próximo. Os anjos são os homens justos que sobem até Deus elevando-se com suas mentes, mas abaixando-se até o próximo através da compaixão.

A pessoa justa, então, durante a peregrinação terrena, coloca a mente na firmeza da fé para descansar. Eis porque está escrito nos Provérbios: “O arganaz, uma espécie de marmota, por sua natureza, é fraco e faz seu esconderijo na pedra” (30,26). O arganaz, animal tímido, representa quem é fraco no espírito e por isso não sabe opor-se com força aos ataques de qualquer espécie e coloca na pedra da fé o travesseiro da sua esperança para aí poder descansar e dormir e ver elevar-se em si mesmo a escada do amor.

Observe-se que o Senhor está no topo da escada por dois motivos: para sustentá-la e para acolher os que nela sobem. Na realidade ele sustenta o peso da nossa fragilidade de modo a estarmos em grau de subir a escada através das obras do amor. E ele acolhe aqueles que sobem para que possamos também nós tornar-nos eternos e bem aventurados com ele que é eterno e bem aventurado. E então, naquela ceia que nos saciará para sempre, descansaremos, com João, sobre o peito de Jesus. O coração no peito é o amor no coração. Descansaremos em seu amor, porque haveremos de amá-lo com todo o coração e com toda a alma e encontraremos nele todos os tesouros da sabedoria e da ciência. O amor de Jesus! Que tesouro colocado no amor! Que sabedoria de inestimável sabor! Que ciência ele nos faz conhecer! “Serei saciado, diz o salmista, quando aparecer a tua glória” (16,15) e “Esta é a vida eterna: conhecer a Ti, o único verdadeiro Deus e aquele que enviaste, Jesus Cristo” (Jo 17,3).


A Ele sejam dados louvor e glória pelos séculos eternos. Amém.



Pax et Bonum!
T


Boletim Espiritual Franciscano
Uma iniciativa do Apostolado Espírito Franciscano - "Servite Pauperes Christi"
Autor: Rodrigo Gonzaga

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