Os textos latinos e algumas edições em línguas vernáculas chamam-lhes “Admoestações”. Em português traduzimos por “Exortações”, por ter esta palavra, como diz Félix Lopes, um sentido “mais manso”. Sobre a sua autenticidade não existem dúvidas. Tiveram-nas presente Celano e Boaventura; e são atestadas por manuscritos em abundância. Por outro lado, quer o conteúdo quer a forma, são tão franciscanos, que Sabatier diz sentir-se tentado a pensar que as “Exortações” seriam fragmentos da Regra de 1221 postos de lado, para não alongar mais o texto. Refazer a sua origem é impossível. Eram, certamente, pensamentos que o santo fundador ia apresentando nas instruções que dava aos irmãos sobre o ideal da vida evangélica, principalmente sobre a santa pobreza. Alguns que lhe terão saído com mais lógica, ou que lhe pareceriam mais pertinentes, tê-los-á mandado escrever. Entre eles, diz Caetano Esser, há “preciosas margaridas de sabedoria espiritual”, de incalculável utilidade para a disciplina e vida dos irmãos menores. No livro que este autor compôs, em forma de meditações, sobre essas pequenas máximas, chama-lhes “Cântico dos Cânticos da pobreza interior”. São de facto a quinta essência da alma franciscana. Não, porém, por serem preciosas sentenças morais e ascéticas, à maneira dos apotegmas dos padres do deserto, mas porque no coração de cada uma delas palpita o zelo pela glória de Deus e a sedução por Jesus Crucificado.
Do Corpo de Cristo
O senhor Jesus disse aos seus discípulos: – Eu sou o caminho,
e a verdade, e a vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim. Se
me conhecêsseis também conheceríeis meu Pai. E já agora vós o
conheceis, e tendes visto. Disse-lhe Filipe: – Senhor, mostra-nos o
Pai, e isso nos basta. E respondeu-lhe Jesus: – Há tanto tempo
estou convosco, e ainda não me conheceis? Filipe, quem me vê a
mim, vê também a meu Pai (Jo 14, 6-9). O Pai habita numa luz inacessível (1Tm 6, 16). E Deus é espírito
(Jo 4, 24). E a Deus nunca ninguém o viu (Jo 1, 18). Pois
Deus é espírito, não pode ser visto senão graças ao espírito, porque
o espírito é que dá vida e a carne não serve para nada (Jo 6, 63). Ora, também o Filho enquanto é igual ao Pai, de ninguém pode
ser visto senão do modo como se vê o Pai, senão, do mesmo modo,
graças ao Espírito Santo. E, por conseguinte, todos os que viram em nosso Senhor
Jesus Cristo a sua humanidade, e não viram nem creram, segundo
o espírito divino, que ele era o verdadeiro Filho de Deus, tiveram
sentença de reprovação.
Do mesmo modo, também agora têm
sentença de reprovação todos os que vêem o sacramento consagrado
pelas palavras do Senhor, sobre o altar, por intermédio dos
sacerdotes, mas não vêem nem creem, segundo o espírito divino,
que é de verdade o Corpo e Sangue de nosso Senhor Jesus Cristo, conforme o atesta o Altíssimo, que diz: – Isto é o meu Corpo e o
Sangue da Nova Aliança, que será derramado por muitos (Mc 14,
22. 24) E ainda: – Quem come a minha Carne e bebe o meu
Sangue, tem a vida eterna (Jo 6, 55).
Portanto, o que tem o espírito do Senhor que habita nos seus
fiéis, esse, sim, recebe o santíssimo Corpo e Sangue do Senhor. Os demais, que não partilham desse espírito e todavia presumem
comungar, esses comem e bebem a sua condenação (1Cor 11, 20). Por isso, ó filhos dos homens, até quando haveis de ser de
coração duro? (Sl 4, 3). Porque não reconheceis a verdade, e
acreditais no Filho de Deus? (Jo 9, 35). Eis que ele se humilha
cada dia, como quando baixou do seu trono real (Sb 18, 15), a
tomar carne no seio da Virgem; cada dia vem até nós em aparências
de humildade; cada dia desce do seio do Pai, sobre o altar,
para as mãos do sacerdote. E assim como aos santos Apóstolos
se mostrou em carne verdadeira, assim agora se mostra a nós no
pão sacramentado. Os Apóstolos com a sua vista corporal viam
apenas a sua carne; mas, contemplando-o com olhos do espírito,
acreditavam que ele era Deus. De igual modo, os nossos olhos de
carne só vêem ali pão e vinho; mas saiba a nossa fé firmemente
acreditar que ali está, vivo e verdadeiro, o seu santíssimo Corpo e
Sangue. E é desta forma que o Senhor está sempre com os que creem nele, segundo ele mesmo prometeu: – Eis que estou convosco até à
consumação dos séculos (Mt 28, 20).
T
Pax et bonum!
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